http://www.mundoclown.com.br/

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Esperando Leitor

Eu queria puxar o nariz dele igual um estilingue.
E soltar.
Roubar seu chapéu, dar-lhe versos.

Parece um mendigo reverso,
Parece que sempre está esperando alguma coisa
Divergente da rotação da Terra,
Do rumo em que correm todas as galáxias
Para um dia se fundirem.

Eu queria sorrir pra ele.
Insistir pela resolução do mistério de quem era.
Insistir pelo nome escondido,
Roubar os versos do oráculo
E ler em voz alta pela Lapa
Como louca.

Eu queria roubar os anéis do seu cabelo
E doar para meninas órfãs
Nas ruas do Rio,
Próximas à Candelária.

Eu queria um breve tempo de poema,
Cheirando bem leve a alfazema
Pra oferecer ao amigo que, sincero,
Espera num banco do tempo
Por um qualquer leitor.

(Talvez ele lhe roube o jornal, a revista, o livro.
Talvez ofereça a outrem.
Talvez doe palavras
E as jogue ao vento para o colher dos pássaros.
Ficarão sabiados.)

Claudia Gomes

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Qualquer cão por aí é sem mim

É quase dia na Lapa.
Nem um puto prum café no bolso,
último cigarro no filtro,
dor de porrada na cabeça.

Salivei a noite inteira,
não quis dar, aquela piranha –
grandes merdas grã-fina-zona-sul,
foi embora num táxi
pra puta-que-o-pariu
(não há mais vadias como antigamente,
vacas inacessíveis, sim, corrigidas por índices bovespa).

Quem gosta de um duro é viado,
mulher quer mesmo é dinheiro –
sábio, e lírico, aforisma, esse
(não foi à toa que a Denise te deixou).

Agora, é voltar pro pardieiro
(às escondidas do senhorio),
comer o naco de bisnaga de anteontem,
com um resto estragado de enlatado,
e, se inda houver, a meiota de vinho de quinta –
sem de novo esperar revomitar, sem mim, o fim do dia.

segunda-feira, janeiro 03, 2011

Memorando à ausente

Destituído do mínimo lenitivo,
volto a adoecer.
Aguda e subitamente,
envelheço, ainda mais roto.

Muito mais rápido decomponho
um corpo, em tudo, outro,
a si estranho:

caem-me mais os ralos cabelos,
enfraquecem ossos, encarquilham músculos,
entortam juntas, definham nervos,
dissipa-se parca linfa, evacuada em sangue.

Despojo-me de supérfluas próteses anatômicas;
arranho-me, arrancando nacos de nariz com os malditos ácaros;
recurvo-me em torpe corcunda,
e limpo-me de imundícies imaginárias inimagináveis
em meus pés e mãos;
reaparo unhas além do necessário (menos unha mal-aparada,
menos bizarra ânsia humana à vista).
Arrancá-las seria o ideal.

Masturbo-me compulsivamente pânico.

Sob anômala esquizofrenia,
sucumbo dedicado a qualquer monomania,
a cada, como única,
alternativa
a seu messiânico retorno.

quarta-feira, novembro 24, 2010

domingo, outubro 24, 2010

"Godogo", 2006 - Élida Candido

Dou-te o carinho que perdi.
Quando resolvi o meu problema, um tanto absurdo,
encontrei-me pensando em ti.
Sempre que vejo um personagem,
penso em ti.

Um ator vivendo outra vida parece contigo,
da altura dos olhos aos pés descalços.

Sabes que teus olhos arregalam-se
quando tiras de ti uma questão opinativa?
E quando comes,
teu maxilar parece mesmo o de um cavalo sorrindo,
És equino no olhar, no pegar, no andar,
até mesmo teu corpo se faz equino,
como um livro de capa dura bem novinho.

És moço tranquilo, às vezes,
mormente é seu olhar.
Ele pensa sempre que fala,
ele fala olhando,
ele olhando pensa.

quinta-feira, setembro 09, 2010

Tiamat em ânsia

- it -
é ela & ele.
Informe caos soberano, aquele ser.
E sendo, em mim, invasivo,
é-me,
osso dos meus ossos,
linfa no meu sangue.

Como a isso chamar,
infiltrado em minhas carnes –
implante medular?
Não sei saber.

Pressagio que, assim autônoma,
há muito e em secreto,
a coisa anômala
tenha se autonomeado
indefinitivamente
sujeito-objeto,
intestino em mim,
entranhado poderio,
mas não (m)eu:

- Que importa o outro,
território
apenas?

terça-feira, setembro 07, 2010

Um comentário sobre o oráculo "Eu: o mais eficiente ajudante dos meus próprios coveiros", pelo poeta Carlos Henrique Costa, em 4-8-2010

É preciso pensar acerca da eficiência com que assistimos os que nos enterram. Assistimos, passivamente, à execução ritualística com que selam nossos jazigos. Apenas obedecem às ordens de nossos autoboicotes - permissiva fraqueza com que entregamos a vida às mãos de outrem. Eis nossa miséria: sermos o tiro vertical que nos põe a razão na horizontal, e ainda tripudia do homicídio lambuzando com carinho a espátula caprichosa do lacre.

quinta-feira, setembro 02, 2010

segunda-feira, agosto 23, 2010

"Nos primeiros degraus de uma colorida escada(...), homens se fazem de meninos e trocam palavras como se fossem figurinhas de sua mais nobre e simples brincadeira."
(Fortunato)

domingo, agosto 01, 2010

Um comentário sobre o oráculo "Qualquer cão por aí é sem mim", pelo poeta Carlos Henrique Costa

O Diabo, assuma ele que forma for, não lhe domina. Pode lhe abanar o rabo, choramingar como lhe pedindo carinho, erguer suas patas dianteiras na tentativa de lhe alcançar a mão etc. Entretanto, jamais lhe morde, inoculando em seu sangue o veneno canhestro do mal.

sábado, julho 24, 2010

Trecho do fragmento 23 do "Livro do desassossego", composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa

Tornarmo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque, de resto, nós o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que somos realmente.

"Ninfas e Sátiro", 1873 - William Adolphe Bouguereau

"Memento d'Ângelo" (Primeiro Fragmento)

Eu sou... um anjo. Eu sou um anjo, merda. É, um anjo, porra. Um anjo. É foda. Mas é isso mesmo. Não queria, porque é foda. Anjo. Não queria nem dizer um troço desses. Porque (um anjo!), puta que pariu (ou que o pariu, não sei bem – tá foda a minha cabeça). Porra, um anjo, é foda (quem é que vai acreditar nessa porra? Ninguém acredita mais em porra nenhuma, tá tudo ruindo nessa bodega de mundo, como é que vão acreditar em anjo, em mim, em um anjo, e ainda por cima se dizendo anjo?)! Eu não devia dizer uma coisa dessas, que anjo é foda, porque (eu sei, porra!), porque, de qualquer jeito, eu sou um anjo, anjo de merda, mas anjo. Mas, é isso aí, foda-se. É, é isso aí. Foda-se. (Aliás, fodam-se. É isso mesmo: FODAM-SE! Dane-se tudo e todo mundo. Já tô fodido mesmo. Então vão todos pra porra, pra puta que os pariu a todos, pro diabo que os carregue. Isso, vão todos, sem exceção, pro caralho – caralho!... cadê o meu caralho, porque é que não tenho caralho, porra, e nem buceta, merda? – porque eu, não se preocupem, se não fui ainda, daqui a pouco – já, já –, tô indo junto também. Sendo assim, não se acanhem, vão sem pressa, vão sem mim, mas vão – e não é que tô parecendo o Álvaro de Campos (como é que é mesmo?): “Vão para o diabo sem mim/ Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!/ Para que havermos de ir juntos?”). Mas como ia dizendo mesmo, eu sou um anjo. Vocês riem, tudo bem. É foda de acreditar (eu sei, porra! – já disse que sei!), porque às vezes nem eu acredito direito. É, às vezes, até eu duvido (como agora, depois de encher a cara de vodka, bêbado que nem um gambá – mas gambá bebe?). E olha que já faz um bocado de tempo que eu sou (eu sou: sempre quis dizer isso, e assim, com pompa, porque – vocês viram, foi a minha primeira frase, percebem? – porque essa é uma frase que Ele também usou, é, Ele, porra, J.C., o que chamam de Filho, aliás, Ele é foda – se bem que o Pai já tinha dito o mesmo pra Moisés – mas, de um jeito ou de outro, tanto na primeira quanto na segunda vez em que a frase foi dita, ninguém entendeu lhufas, ou quase lhufas, mas Ele, o Filho, usou, e ao menos viram que era uma citação, uma referência ao Pai dEle – ou que Ele acreditava que era dEle, mais dEle que de qualquer outro (o filho da mãe – ou do pai, sei lá) – ou, pelo menos, tudo isso é o que diabos os caras escreveram, primeiro, os chamados escribas, depois, os evangelistas). Aliás, um anjo, que eu me lembre, é o que sempre fui, mesmo de porre, mesmo duvidando, mesmo não querendo, mesmo agonizando, mesmo expulso, mesmo exorcizado, mesmo decadente, mesmo caído. Mesmo na merda, porra, mesmo no vômito, caralho (cadê a porra da garrafa de vodka, merda – puta que me pariu, tá foda, não vai dá pra continuar assim, puta que o pariu, depois eu continuo essa porra – e se eu chamar isso de diário íntimo? Não é isso o que tiveram a merda dos solitários desassossegados, e dos poetas, e dos personagens fodidos de ficção, e dos ficcionistas ou memorialistas malditos – desconhecidos em vida, mas de obras póstumas tardiamente célebres –, e da merda de todos os inéditos nesse mundo cão, inéditos nesse cu de mundo? Pois é, então é isso, que seja isso então: que vá pra puta que o pariu, diário íntimo do caralho! – onde é que eu botei a porra da minha navalha?)!

terça-feira, julho 13, 2010

Trecho do fragmento 14 do "Livro do desassossego", composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa

Saber que será má a obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta no vaso único da minha vizinha aleijada. Essa planta é a alegria dela, e por vezes a minha. O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou me não basta, mas serve de qualquer maneira, e assim é toda a vida.

domingo, junho 06, 2010

Mais um desenho de Kafka

De um manuscrito de Kafka

Sair daqui. Que seja sair daqui. Não é necessário que você me diga aonde você me leva. Onde está a tua mão? Não consigo encontrá-la no escuro. Se apenas segurasse a tua mão, acredito que você não me rejeitaria. Me escuta: você está pelo menos aqui nesse quarto? Talvez você não esteja mesmo. E o que mais deveria te atrair no gelo e na neblina do Norte aonde não se deveria pressupor a existência de homens? Você não está aqui. Você se afastou destes lugares, mas para mim é questão de vida ou de morte saber se você está ou não está.

Avner the Eccentric in Exceptions to Gravity

Jojo in the Stars

The Snowstorm finale by Slava

sexta-feira, junho 04, 2010

Inescrita futura epístola do inane [in]discípulo pós-moderno (invejoso semi-heterônimo pessoano inexistente) ao alheio Mestre Caeiro

Mestre, em mim nada pude apascentar. Em meio ao alheio e evanescente deserto que me habita, quase nada te direi. Apenas desconheço qualquer, ou todo meu, rebanho negro, arisco e fugidio. Também estou só, mas sem nenhuma companhia abstrata. Absoluta e irreversivelmente só.
Não simulo nenhuma emoção. Não vejo fantasmas. Quanto à impossibilidade de pensar – não se pode pensar em meio às rochas (já escaladas por Elliot) –, um negror móvel e irrefreável se alastra na noturna – ou crepuscular? – paisagem invisível, feito imundo redemunho.
O único verdadeiro incômodo é ainda carecer escrever, esforço reconhecido e despropositado, a não ser como uma forma de sobrevivência autoexpressiva, talvez. Escrita sem préstimo algum, nenhuma expectação de leitura. Não um ato cortês, de visita a uma outra sensibilidade, mas de iniludível solidão.
Do cimo de lugar nenhum, posto de onde mesmo o que a vista avista é inverossímil e inadmissível ao acordo. Não penso, é certo – por suas lentes, seus versos, minha miopia é corrigida –, mas não compreendo porque vejo. Porque vejo melhor, não compreendo. Mera e frustrante tautologia sem qualquer préstimo.
De mim, Mestre, o acaso fez bem pouco caso – que poderia ele me dar? Fui de todo esquecido pelo fortuito – como poderia compreender? Ainda que não ande a procurar – tentar controlar –, nada encontro. Nada desespero.
Não tenho nenhum motivo, Mestre, para desejar que minha vida – ou mesmo eu – continue sempre a ser só isso, mas querer ser qualquer outra coisa, viva ou inanimada, seria querer ser fuga, ou não ser nada: apenas não-ser. Simular não seria mais que exercício pueril, impossível sem alguma fé cênica.
Se ouso abrir uma janela, word for windows, meu horizonte a alguns poucos metros é sólido concreto, ainda que virtual (as imagens nele projetadas são todas falsas – imagens do que não vejo). Se sei que meu dizer em [in]versos é surdo, só para mim. Nada mais importa (nalgum tempo, algo, ou alguém, terá sinceramente importado?) a quem sabe que não ficará. Nem como lembrança, rastro do que nunca não pôde nem ser visto.

"Lendo Orpheu", 1954 - Almada Negreiros

segunda-feira, maio 31, 2010

Um fragmento de "Memento d'Ângelo"

Sou eu, droga. Mas não acredito (aliás, a cada nova vez, nunca acredito, diga-se de passagem). Sou eu (eu – sempre eu, o mesmo eu – até quando aprisionado nessa maldita e estúpida consciência? – e não outro, qualquer outro), não dá pra acreditar, na mesma repetida e repetitiva situação de risível extremo romantismo, tal e qual o mais absurdo personagem dostoievskiano (será possível maior pieguice?). E tudo como sempre (não vario sequer o lugar-comum), a mesma sucessão inevitável de acontecimentos patéticos (maldição nietzscheana?): alguma triste descoberta, associada a mais uma frustração, a consequente angústia, a depressão abissal, o porre homérico com intenções paliativas, e mais uma fracassada e hilariante tentativa de suicídio (a cada ano que passa tenho tentado um maior número de vezes, e como é sempre inútil – eu sou um anjo, lembram? –, e já tentei todas as formas humanamente imagináveis e inimagináveis, e continuo tentando, por mera questão de hábito afetivo –, o que tenho usado nas últimas décadas, já que nada adianta mesmo, e, mesmo assim, não desisto, quando, por qualquer motivo, bate a vontade de morrer, o que é cada vez mais frequente, como já disse, é um tipo antigo de navalha que sempre levo comigo, que roubei do Natan, jovem aprendiz de profeta que, àquela época, me aparava o cabelo).
"Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz." Clarice Lispector

terça-feira, abril 13, 2010

Outro desenho de Kafka

Oráculo

E se o próprio deus Eu sou
ditasse a palavra ao seu ouvido:
“E veio a palavra do Senhor a Jonas”
(sim, você só poderia ser algo parecido,
o contumaz, o mais obstinado dos videntes)?

Ou se, pelo menos, alguma palavra qualquer,
qualquer palavra que fosse,
proveniente de qualquer vagabunda divindade,
o obrigasse à escrita,
ao amaldiçoado exercício da mediunidade
mais profunda, mas prontamente acabada?

Se você não precisasse caçar,
domar e adestrar competentemente
cada palavra necessária à sua dicção única,
ao seu dizer subjetivo e singular?

Se, afinal, não tivesse que se responsabilizar
pela autoria medíocre do que quer que pudesse escrevinhar?

Se fosse um erradio instrumento fugitivo (como o profeta),
mas imprescindível,
ainda que ao vulgar exercício expressivo diletante,
e apaixonadamente mórbido,
de uma inescapável potência exterior ao seu próprio querer?

Desenho de Kafka sem título

sexta-feira, abril 02, 2010

"Espantalho", 1958 - Candido Portinari

O Autoproclamado

Esperando Leitor, declaro-me humilde candidato a ilustre membro da Academia dos Emparedados do Sertão da Paraíba e dileto discípulo, seguidor e apóstolo de Dom Pedro Diniz Ferreira Quaderna, a saber Dom Pedro IV, O Decifrador, Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe, Profeta e Sumo-Pontífice da Igreja Católico-Sertaneja, Cronista, Fidalgo, Rapsodo, Acadêmico, Poeta e Escrivão.

Sem Título

"Qualquer cão por aí é sem mim." Esperando Leitor

"Man with Dog", 1953 - Francis Bacon

segunda-feira, março 29, 2010

Breve, falho e errático autodefinitivo ensaio (Esperando por Esperando)

Não muito mais que um muito inflamado e sensível nariz. Na verdade, antena e portal pra minha alma, que quanto mais vermelhamente visível e pontudo, mais tem me permitido ver outros mais atraentes narizes.

De "A Questão da Identidate - Uma Peça"

"Eu sou eu porque meu cachorrinho me conhece." Gertrude Stein

James Joyce - Lego - Andrew Becraft