http://www.mundoclown.com.br/

segunda-feira, maio 31, 2010

Um fragmento de "Memento d'Ângelo"

Sou eu, droga. Mas não acredito (aliás, a cada nova vez, nunca acredito, diga-se de passagem). Sou eu (eu – sempre eu, o mesmo eu – até quando aprisionado nessa maldita e estúpida consciência? – e não outro, qualquer outro), não dá pra acreditar, na mesma repetida e repetitiva situação de risível extremo romantismo, tal e qual o mais absurdo personagem dostoievskiano (será possível maior pieguice?). E tudo como sempre (não vario sequer o lugar-comum), a mesma sucessão inevitável de acontecimentos patéticos (maldição nietzscheana?): alguma triste descoberta, associada a mais uma frustração, a consequente angústia, a depressão abissal, o porre homérico com intenções paliativas, e mais uma fracassada e hilariante tentativa de suicídio (a cada ano que passa tenho tentado um maior número de vezes, e como é sempre inútil – eu sou um anjo, lembram? –, e já tentei todas as formas humanamente imagináveis e inimagináveis, e continuo tentando, por mera questão de hábito afetivo –, o que tenho usado nas últimas décadas, já que nada adianta mesmo, e, mesmo assim, não desisto, quando, por qualquer motivo, bate a vontade de morrer, o que é cada vez mais frequente, como já disse, é um tipo antigo de navalha que sempre levo comigo, que roubei do Natan, jovem aprendiz de profeta que, àquela época, me aparava o cabelo).
"Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz." Clarice Lispector